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22.4.08

Maiakovsky

Vladímir Maiakóvski nasceu e passou a infância na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi (hoje Maiakóvski), na Geórgia - Rússia. Lá cursou o ginásio e, após a morte súbita do pai, a família ficou na miséria e transferiu-se para Moscou, onde Vladímir continuou seus estudos. Fortemente impressionado pelo movimento revolucionário russo e impregnado desde cedo de obras socialistas, ingressou aos quinze anos na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo. Detido em duas ocasiões, foi solto por falta de provas, mas em 1909-1910 passou onze meses na prisão. Entrou na Escola de Belas Artes, onde se encontrou com David Burliuk, que foi o grande incentivador de sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlébnikov, Kamiênski e outros. Foram expulsos da Escola de Belas Artes. Procurando difundir suas concepções artísticas, realizaram viagens pela Rússia. Após a Revolução de Outubro, todo o grupo manifestou sua adesão ao novo regime. Durante a Guerra Civil, Maiakóvski se dedicou a desenhos e legendas para cartazes de propaganda e, no início da consolidação do novo Estado, exaltou campanhas sanitárias, fez publicidade de produtos diversos, etc. Fundou em 1923 a revista LEF (de Liévi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os escritores e artistas que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social. Fez inúmeras viagens pelo país, aparecendo diante de vastos auditórios para os quais lia os seus versos. Viajou também pela Europa Ocidental, México e Estados Unidos. Entrou freqüentemente em choque com os “burocratas’’ e com os que pretendiam reduzir a poesia a fórmulas simplistas. Foi homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico ao mesmo tempo. Suicidou-se com um tiro em 1930. Sua obra, profundamente revolucionária na forma e nas idéias que defendeu, apresenta-se coerente, original, veemente, una. A linguagem que emprega é a do dia a dia, sem nenhuma consideração pela divisão em temas e vocábulos “poéticos” e “não-poéticos”, a par de uma constante elaboração, que vai desde a invenção vocabular até o inusitado arrojo das rimas. Ao mesmo tempo, o gosto pelo desmesurado, o hiperbólico, alia-se em sua poesia à dimensão crítico-satírica. Criou longos poemas e quadras e dísticos que se gravam na memória; ensaios sobre a arte poética e artigos curtos de jornal; peças de forte sentido social e rápidas cenas sobre assuntos do dia; roteiros de cinema arrojados e fantasiosos e breves filmes de propaganda. Tem exercido influência profunda em todo o desenvolvimento da poesia russa moderna. (Boris Schnaiderman in "Poesia Russa Moderna", Editora Brasiliense, 1985).
Poema extraído do livro “Maiakóvski — Antologia Poética”, Editora Max Limonad, 1987, tradução de E. Carrera Guerra.







Gonçalves Dias



O poeta Antônio Gonçalves Dias, que se orgulhava de ter no sangue as três raças formadoras do povo brasileiro (branca, indígena e negra), nasceu no Maranhão em 10 de agosto de 1823. Em 1840 foi para Portugal cursar Direito na Faculdade de Coimbra. Ali, entrou em contato com os principais escritores da primeira fase do Romantismo português.Em 1843, inspirado na saudade da pátria, escreveu "Canção do Exílio". No ano seguinte graduou-se bacharel em Direito. De volta ao Brasil, iniciou uma fase de intensa produção literária. Em 1849, junto com Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo, fundou a revista "Guanabara".Em 1862 retornou à Europa para cuidar da saúde. Em 1864, durante a viagem de volta ao Brasil, o navio Ville de Boulogne naufragou na costa brasileira. Salvaram-se todos, exceto o poeta que, por estar na cama em estado agonizante, foi esquecido em seu leito.

Se por um lado deve-se a Gonçalves de Magalhães a introdução do Romantismo no Brasil, por outro, deve-se a Gonçalves Dias a sua consolidação. Isso porque o poeta trabalhou com maestria todas as características iniciais da primeira fase do Romantismo brasileiro. De sua obra, geralmente dividida em lírica, medieval e nacionalista, destacam-se "I-juca Pirama", "Os Tibiramas" e "Canção do Tamoio".
Veja Também:
Romantismo- Preliminares- Características Gerais- Europa- Momento Histórico- França- Alemanha- Inglaterra- Portugal- Momento Histórico- A Literatura- Cronologia- Brasil- Momento Histórico- A Literatura- Cronologia
Canção do ExílioMinha terra tem palmeiras,Onde canta o sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas tem mais flores,Nossos bosques tem mais vida,Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o sabiá. Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar - sozinho, à noite -Mais prazer encontro eu lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra,Sem que eu volte para lá;Sem que desfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu'inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá.
I-JUCA PIRAMA
I
No meio das tabas de amenos verdores,Cercadas de troncos – cobertos de flores,Alteiam-se os tetos d’altiva nação;São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,Temíveis na guerra, que em densas coortesAssombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de glória,Já prélios incitam, já cantam vitória,Já meigos atendem à voz do cantor:São todos Timbiras, guerreiros valentes!Seu nome lá voa na boca das gentes,Condão de prodígios, de glória e terror! As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,As armas quebrando, lançando-as ao rio,O incenso aspiraram dos seus maracás:Medrosos das guerras que os fortes acendem,Custosos tributos ignavos lá rendem,Aos duros guerreiros sujeitos na paz. No centro da taba se estende um terreiro,Onde ora se aduna o concílio guerreiroDa tribo senhora, das tribos servis:Os velhos sentados praticam d’outrora,E os moços inquietos, que a festa enamora,Derramam-se em torno dum índio infeliz. Quem é? – ninguém sabe: seu nome é ignoto,Sua tribo não diz: – de um povo remotoDescende por certo – dum povo gentil;Assim lá na Grécia ao escravo insulanoTornavam distinto do vil muçulmanoAs linhas corretas do nobre perfil. Por casos de guerra caiu prisioneiroNas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiroAssola-se o teto, que o teve em prisão;Convidam-se as tribos dos seus arredores,Cuidosos se incubem do vaso das cores,Dos vários aprestos da honrosa função. Acerva-se a lenha da vasta fogueiraEntesa-se a corda da embira ligeira,Adorna-se a maça com penas gentis:A custo, entre as vagas do povo da aldeiaCaminha o Timbira, que a turba rodeia,Garboso nas plumas de vário matiz. Em tanto as mulheres com leda trigança,Afeitas ao rito da bárbara usança,índio já querem cativo acabar:A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,Brilhante enduape no corpo lhe cingem,Sombreia-lhe a fronte gentil canitar, II Em fundos vasos d’alvacenta argilaFerve o cauim;Enchem-se as copas, o prazer começa,Reina o festim. O prisioneiro, cuja morte anseiam,Sentado está,O prisioneiro, que outro sol no ocasoJamais verá! A dura corda, que lhe enlaça o colo,Mostra-lhe o fimDa vida escura, que será mais breveDo que o festim! Contudo os olhos d’ignóbil prantoSecos estão;Mudos os lábios não descerram queixasDo coração. Mas um martírio , que encobrir não pode,Em rugas fazA mentirosa placidez do rostoNa fronte audaz! Que tens, guerreiro? Que temor te assaltaNo passo horrendo?Honra das tabas que nascer te viram,Folga morrendo. Folga morrendo; porque além dos AndesRevive o forte,Que soube ufano contrastar os medosDa fria morte. Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,Lá murcha e pende:Somente ao tronco, que devassa os ares,O raio ofende! Que foi? Tupã mandou que ele caísse,Como viveu;E o caçador que o avistou prostradoEsmoreceu! Que temes, ó guerreiro? Além dos AndesRevive o forte,Que soube ufano contrastar os medosDa fria morte. III Em larga roda de novéis guerreirosLedo caminha o festival Timbira,A quem do sacrifício cabe as honras,Na fronte o canitar sacode em ondas,O enduape na cinta se embalança,Na destra mão sopesa a iverapeme,Orgulhoso e pujante. – Ao menor passoColar d’alvo marfim, insígnia d’honra,Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,Como que por feitiço não sabidoEncantadas ali as almas grandesDos vencidos Tapuias, inda choremSerem glória e brasão d’imigos feros. "Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,"As nossas matas devassaste ousado,"Morrerás morte vil da mão de um forte." Vem a terreiro o mísero contrário;Do colo à cinta a muçurana desce:"Dize-nos quem és, teus feitos canta,"Ou se mais te apraz, defende-te." ComeçaO índio, que ao redor derrama os olhos,Com triste voz que os ânimos comove. IV Meu canto de morte,Guerreiros, ouvi:Sou filho das selvas,Nas selvas cresci;Guerreiros, descendoDa tribo tupi. Da tribo pujante,Que agora anda errantePor fado inconstante,Guerreiros, nasci;Sou bravo, sou forte,Sou filho do Norte;Meu canto de morte,Guerreiros, ouvi. Já vi cruas brigas,De tribos imigas,E as duras fadigasDa guerra provei;Nas ondas mendacesSenti pelas facesOs silvos fugacesDos ventos que amei. Andei longes terrasLidei cruas guerras,Vaguei pelas serrasDos vis Aimoréis;Vi lutas de bravos,Vi fortes – escravos!De estranhos ignavosCalcados aos pés. E os campos talados,E os arcos quebrados,E os piagas coitadosJá sem maracás;E os meigos cantores,Servindo a senhores,Que vinham traidores,Com mostras de paz. Aos golpes do imigo,Meu último amigo,Sem lar, sem abrigoCaiu junto a mi!Com plácido rosto,Sereno e composto,O acerbo desgostoComigo sofri. Meu pai a meu ladoJá cego e quebrado,De penas ralado,Firmava-se em mi:Nós ambos, mesquinhos,Por ínvios caminhos,Cobertos d’espinhosChegamos aqui! O velho no entantoSofrendo já tantoDe fome e quebranto,Só qu’ria morrer!Não mais me contenho,Nas matas me embrenho,Das frechas que tenhoMe quero valer. Então, forasteiro,Caí prisioneiroDe um troço guerreiroCom que me encontrei:O cru dessossêgoDo pai fraco e cego,Enquanto não chegoQual seja, – dizei! Eu era o seu guiaNa noite sombria,A só alegriaQue Deus lhe deixou:Em mim se apoiava,Em mim se firmava,Em mim descansava,Que filho lhe sou. Ao velho coitadoDe penas ralado,Já cego e quebrado,Que resta? – Morrer.Enquanto descreveO giro tão breveDa vida que teve,Deixai-me viver! Não vil, não ignavo,Mas forte, mas bravo,Serei vosso escravo:Aqui virei ter.Guerreiros, não coroDo pranto que choro:Se a vida deploro,Também sei morrer. V Soltai-o! – diz o chefe. Pasma a turba;Os guerreiros murmuram: mal ouviram,Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!Brada segunda vez com voz mais alta,Afrouxam-se as prisões, a embira cede,A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo. Timbira, diz o índio enternecido,Solto apenas dos nós que o seguravam:És um guerreiro ilustre, um grande chefe,Tu que assim do meu mal te comoveste,Nem sofres que, transposta a natureza,Com olhos onde a luz já não cintila,Chore a morte do filho o pai cansado,Que somente por seu na voz conhece.– És livre; parte.– E voltarei.– Debalde.– Sim, voltarei, morto meu pai.– Não voltes!É bem feliz, se existe, em que não veja,Que filho tem, qual chora: és livre; parte!– Acaso tu supões que me acobardo,Que receio morrer!– És livre; parte!– Ora não partirei; quero provar-teQue um filho dos Tupis vive com honra,E com honra maior, se acaso o vencem,Da morte o passo glorioso afronta. – Mentiste, que um Tupi não chora nunca,E tu choraste!... parte; não queremosCom carne vil enfraquecer os fortes. Sobresteve o Tupi: – arfando em ondasO rebater do coração se ouviaPrecípite. – Do rosto afogueadoGélidas bagas de suor corriam:Talvez que o assaltava um pensamento...Já não... que na enlutada fantasia,Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,Do velho pai a moribunda imagemQuase bradar-lhe ouvia: – Ingrato! Ingrato!Curvado o colo, taciturno e frio.Espectro d’homem, penetrou no bosque! VI – Filho meu, onde estás?– Ao vosso lado;Aqui vos trago provisões; tomai-as,As vossas forças restaurai perdidas,E a caminho, e já!– Tardaste muito!Não era nado o sol, quando partiste,E frouxo o seu calor já sinto agora!– Sim demorei-me a divagar sem rumo,Perdi-me nestas matas intrincadas,Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;Convém partir, e já!– Que novos malesNos resta de sofrer? – que novas dores,Que outro fado pior Tupã nos guarda?– As setas da aflição já se esgotaram,Nem para novo golpe espaço intactoEm nossos corpos resta.– Mas tu tremes!– Talvez do afã da caça....– Oh filho caro!Um quê misterioso aqui me fala,Aqui no coração; piedosa fraudeSerá por certo, que não mentes nunca!Não conheces temor, e agora temes?Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,E contra o seu querer não valem brios.Partamos!... –E com mão trêmula, incertaProcura o filho, tacteando as trevasDa sua noite lúgubre e medonha.Sentindo o acre odor das frescas tintas,Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...Do filho os membros gélidos apalpa,E a dolorosa maciez das plumasConhece estremecendo: – foge, volta,Encontra sob as mãos o duro crânio,Despido então do natural ornato!...Recua aflito e pávido, cobrindoÀs mãos ambas os olhos fulminados,Como que teme ainda o triste velhoDe ver, não mais cruel, porém mais clara,Daquele exício grande a imagem vivaAnte os olhos do corpo afigurada.Não era que a verdade conhecesseInteira e tão cruel qual tinha sido;Mas que funesto azar correra o filho,Ele o via; ele o tinha ali presente;E era de repetir-se a cada instante.A dor passada, a previsão futuraE o presente tão negro, ali os tinha;Ali no coração se concentrava,Era num ponto só, mas era a morte! – Tu prisioneiro, tu?– Vós o dissestes.– Dos índios?– Sim.– De que nação?– Timbiras.– E a muçurana funeral rompeste,Dos falsos manitôs quebrastes maça...– Nada fiz... aqui estou.– Nada! –Emudecem;Curto instante depois prossegue o velho:– Tu és valente, bem o sei; confessa,Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!– Nada fiz; mas souberam da existênciaDe um pobre velho, que em mim só vivia....– E depois?...– Eis-me aqui.– Fica essa taba? – Na direção do sol, quando transmonta.– Longe?– Não muito.– Tens razão: partamos.– E quereis ir?...– Na direção do acaso. VII "Por amor de um triste velho,Que ao termo fatal já chega,Vós, guerreiros, concedestesA vida a um prisioneiro.Ação tão nobre vos honra,Nem tão alta cortesiaVi eu jamais praticadaEntre os Tupis, – e mas foramSenhores em gentileza. "Eu porém nunca vencido,Nem nos combates por armas,Nem por nobreza nos atos;Aqui venho, e o filho trago.Vós o dizeis prisioneiro,Seja assim como dizeis;Mandai vir a lenha, o fogo,A maça do sacrifícioE a muçurana ligeira:Em tudo o rito se cumpra!E quando eu for só na terra,Certo acharei entre os vossos,Que tão gentis se revelam,Alguém que meus passos guie;Alguém, que vendo o meu peitoCoberto de cicatrizes,Tomando a vez de meu filho,De haver-me por se ufane!"Mas o chefe dos Timbiras,Os sobrolhos encrespando,Ao velho Tupi guerreiroResponde com tôrvo acento: – Nada farei do que dizes:É teu filho imbele e fraco!Aviltaria o triunfoDa mais guerreira das tribosDerramar seu ignóbil sangue:Ele chorou de cobarde;Nós outros, fortes Timbiras,Só de heróis fazemos pasto. – Do velho Tupi guerreiroA surda voz na gargantaFaz ouvir uns sons confusos,Como os rugidos de um tigre,Que pouco a pouco se assanha! VIII "Tu choraste em presença da morte?Na presença de estranhos choraste?Não descende o cobarde do forte;Pois choraste, meu filho não és!Possas tu, descendente malditoDe uma tribo de nobres guerreiros,Implorando cruéis forasteiros,Seres presa de via Aimorés. "Possas tu, isolado na terra,Sem arrimo e sem pátria vagando,Rejeitado da morte na guerra,Rejeitado dos homens na paz,Ser das gentes o espectro execrado;Não encontres amor nas mulheres,Teus amigos, se amigos tiveres,Tenham alma inconstante e falaz! "Não encontres doçura no dia,Nem as cores da aurora te ameiguem,E entre as larvas da noite sombriaNunca possas descanso gozar:Não encontres um tronco, uma pedra,Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,Padecendo os maiores tormentos,Onde possas a fronte pousar. "Que a teus passos a relva se torre;Murchem prados, a flor desfaleça,E o regato que límpido corre,Mais te acenda o vesano furor;Suas águas depressa se tornem,Ao contacto dos lábios sedentos,Lago impuro de vermes nojentos,Donde fujas com asco e terror! "Sempre o céu, como um teto incendido,Creste e punja teus membros malditosE oceano de pó denegridoSeja a terra ao ignavo tupi!Miserável, faminto, sedento,Manitôs lhe não falem nos sonhos,E do horror os espectros medonhosTraga sempre o cobarde após si. "Um amigo não tenhas piedosoQue o teu corpo na terra embalsame,Pondo em vaso d’argila cuidosoArco e frecha e tacape a teus pés!Sê maldito, e sozinho na terra;Pois que a tanta vileza chegaste,Que em presença da morte choraste,Tu, cobarde, meu filho não és." IX Isto dizendo, o miserando velhoA quem Tupã tamanha dor, tal fadoJá nos confins da vida reservada,Vai com trêmulo pé, com as mãos já friasDa sua noite escura as densas trevasPalpando. – Alarma! alarma! – O velho pára!O grito que escutou é voz do filho,Voz de guerra que ouviu já tantas vezesNoutra quadra melhor. – Alarma! alarma!– Esse momento só vale a pagar-lheOs tão compridos trances, as angústias,Que o frio coração lhe atormentaram De guerreiro e de pai: – vale, e de sobra.Ele que em tanta dor se contivera,Tomado pelo súbito contraste,Desfaz-se agora em pranto copioso,Que o exaurido coração remoça. A taba se alborota, os golpes descem,Gritos, imprecações profundas soam,Emaranhada a multidão braveja,Revolve-se, enovela-se confusa,E mais revolta em mor furor se acende.E os sons dos golpes que incessantes fervem,Vozes, gemidos, estertor de morteVão longe pelas ermas serraniasDa humana tempestade propagandoQuantas vagas de povo enfurecidoContra um rochedo vivo se quebravam. Era ele, o Tupi; nem fora justoQue a fama dos Tupis – o nome, a glória,Aturado labor de tantos anos,Derradeiro brasão da raça extinta,De um jacto e por um só se aniquilasse. – Basta! Clama o chefe dos Timbiras,– Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,E para o sacrifício é mister forças. – O guerreiro parou, caiu nos braçosDo velho pai, que o cinge contra o peito,Com lágrimas de júbilo bradando:"Este, sim, que é meu filho muito amado! "E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,"Corram livres as lágrimas que choro,"Estas lágrimas, sim, que não desonram." < X Um velho Timbira, coberto de glória,Guardou a memóriaDo moço guerreiro, do velho Tupi!E à noite, nas tabas, se alguém duvidavaDo que ele contava,Dizia prudente: – "Meninos, eu vi! "Eu vi o brioso no largo terreiroCantar prisioneiroSeu canto de morte, que nunca esqueci:Valente, como era, chorou sem ter pejo;Parece que o vejo,Que o tenho nest’hora diante de mi. "Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!Pois não, era um bravo;Valente e brioso, como ele, não vi!E à fé que vos digo: parece-me encantoQue quem chorou tanto,Tivesse a coragem que tinha o Tupi!" Assim o Timbira, coberto de glória,Guardava a memóriaDo moço guerreiro, do velho Tupi.E à noite nas tabas, se alguém duvidavaDo que ele contava,Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".


Pablo Neruda




Neftalí Ricardo Reyes, dito Pablo Neruda. Poeta chileno (Parral 1904 - Santiago 1973).Cônsul do Chile na Espanha e no México, eleito senador em 1945, foi embaixador na França (1970). Suas poesias da primeira fase são inspiradas por uma angústia altamente romântica. Passou por uma fase surrealista. Tornou-se marxista e revolucionário, sendo, primeiramente, a voz angustiada da República Espanhola e, depois, das revoluções latino-americanas.
Esteve no Brasil em diversas oportunidades, e, numa delas, declamou poemas seus perante grande massa popular concentrada no estádio do Pacaembu, em São Paulo.
Obras principais: A canção da festa (1921), Crepusculário (1923), Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924), Tentativa do homem infinito (1925), Residência na terra [vol. I, 1931; vol.II, 1935; vol.III,1939, que inclui Espanha no coração (1936-1937)], Ode a Stalingrado (1942), Terceira residência (1947), Canto geral (1950), Odes elementares (1954), Navegações e retornos (1959), Canção de gesta (1960), ensaios (Memorial da ilha negra, 1964) e a peça teatral Esplendor e morte de Joaquín Murieta (1967).
Em 1974, foi publlicado o volume autobiografico Confesso que vivi. (Prêmio Nobel de Literatura, 1971).
POEMAS

O PoçoCais, às vezes, afundasem teu fosso de silêncio,em teu abismo de orgulhosa cólera,e mal conseguesvoltar, trazendo restosdo que achastepelas profunduras da tua existência.Meu amor, o que encontrasem teu poço fechado?Algas, pântanos, rochas?O que vês, de olhos cegos,rancorosa e ferida?Não acharás, amor,no poço em que caiso que na altura guardo para ti:um ramo de jasmins todo orvalhado,um beijo mais profundo que esse abismo.Não me temas, não caiasde novo em teu rancor.Sacode a minha palavra que te veio ferire deixa que ela voe pela janela aberta.Ela voltará a ferir-mesem que tu a dirijas,porque foi carregada com um instante duroe esse instante será desarmado em meu peito.Radiosa me sorrise minha boca fere.Não sou um pastor docecomo em contos de fadas,mas um lenhador que comparte contigoterras, vento e espinhos das montanhas.Dá-me amor, me sorrie me ajuda a ser bom.Não te firas em mim, seria inútil,não me firas a mim porque te feres.Pablo Neruda
O teu risoTira-me o pão, se quiseres,tira-me o ar, mas nãome tires o teu riso.Não me tires a rosa,a lança que desfolhas,a água que de súbitobrota da tua alegria,a repentina ondade prata que em ti nasce.A minha luta é dura e regressocom os olhos cansadosàs vezes por verque a terra não muda,mas ao entrar teu risosobe ao céu a procurar-mee abre-me todasas portas da vida.Meu amor, nos momentosmais escuros soltao teu riso e se de súbitovires que o meu sangue manchaas pedras da rua,ri, porque o teu risoserá para as minhas mãoscomo uma espada fresca.À beira do mar, no outono,teu riso deve erguersua cascata de espuma,e na primavera, amor,quero teu riso comoa flor que esperava,a flor azul, a rosada minha pátria sonora.Ri-te da noite,do dia, da lua,ri-te das ruastortas da ilha,ri-te deste grosseirorapaz que te ama,mas quando abroos olhos e os fecho,quando meus passos vão,quando voltam meus passos,nega-me o pão, o ar,a luz, a primavera,mas nunca o teu riso,porque então morreria.Pablo Neruda
Tuas mãosQuando tuas mãos saem,amada, para as minhas,o que me trazem voando?Por que se detiveramem minha boca, súbitas,e por que as reconheçocomo se outrora entãoas tivesse tocado,como se antes de serhouvessem percorridominha fronte e a cintura?Sua maciez chegavavoando por sobre o tempo,sobre o mar, sobre o fumo,e sobre a primavera,e quando colocastetuas mãos em meu peito,reconheci essas asasde paloma dourada,reconheci essa argilae a cor suave do trigo.A minha vida todaeu andei procurando-as.Subi muitas escadas,cruzei os recifes,os trens me transportaram,as águas me trouxeram,e na pele das uvasachei que te tocava.De repente a madeirame trouxe o teu contacto,a amêndoa me anunciavasuavidades secretas,até que as tuas mãosenvolveram meu peitoe ali como duas asasrepousaram da viagem.Pablo Neruda
Se cada dia caiSe cada dia cai, dentro de cada noite,há um poçoonde a claridade está presa.há que sentar-se na beirado poço da sombrae pescar luz caídacom paciência.Pablo Neruda (Últimos Sonetos)
EsperemosHá outros dias que não têm chegado ainda,que estão fazendo-secomo o pão ou as cadeiras ou o produtodas farmácias ou das oficinas- há fábricas de dias que virão -existem artesãos da almaque levantam e pesam e preparamcertos dias amargos ou preciososque de repente chegam à portapara premiar-noscom uma laranjaou assassinar-nos de imediato.Pablo Neruda (Últimos Sonetos)
AconteceBateram à minha porta em 6 de agosto,aí não havia ninguéme ninguém entrou, sentou-se numa cadeirae transcorreu comigo, ninguém.Nunca me esquecerei daquela ausênciaque entrava como Pedro por sua causae me satisfazia com o não ser,com um vazio aberto a tudo.Ninguém me interrogou sem dizer nadae contestei sem ver e sem falar.Que entrevista espaçosa e especial!Pablo Neruda (Últimos Sonetos)
Quero saberQuero saber se você vem comigoa não andar e não falar,quero saber se ao fim alcançaremosa incomunicação; por fimir com alguém a ver o ar puro,a luz listrada do mar de cada diaou um objeto terrestree não ter nada que trocarpor fim, não introduzir mercadoriascomo o faziam os colonizadorestrocando baralhinhos por silêncio.Pago eu aqui por teu silêncio.De acordo, eu te dou o meucom uma condição: não nos compreenderPablo Neruda (Últimos Sonetos)
A Noite na Ilha
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha. Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, entre o fogo e a água. Talvez bem tarde nossos sonos se uniram na altura e no fundo,em cima como ramos que um mesmo vento move,embaixo como raízes vermelhas que se tocam. Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escurome procurava como antes, quando nem existias,quando sem te enxergar naveguei a teu lado e teus olhos buscavam o que agora - pão, vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos, porque tu és a taça que só esperava os dons da minha vida.Dormi junto contigo a noite inteira, enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos, de repente desperto e no meio da sombra meu braçorodeava tua cintura. Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca saída de teu sono me deu o sabor da terra,de água-marinha, de algas, de tua íntima vida, e recebi teu beijo molhado pela aurora como se me chegasse do mar que nos rodeia.
Pablo Neruda
Antes de amar-te, amor, nada era meuVacilei pelas ruas e as coisas: Nada contava nem tinha nome:O mundo era do ar que esperava. E conheci salões cinzentos,Túneis habitados pela lua,Hangares cruéis que se despediam,Perguntas que insistiam na areia.Tudo estava vazio, morto e mudo,Caído, abandonado e decaído,Tudo era inalienavelmente alheio,Tudo era dos outros e de ninguém,Até que tua beleza e tua pobrezaDe dádivas encheram o outono.
Pablo Neruda
Aqui eu te amo.Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.Fosforece a lua sobre as águas errantes.Andam dias iguais a perseguir-se.
Descinge-se a névoa em dançantes figuras. Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.
Ou a cruz negra de um barco.Só.As vezes amanheço, e minha alma está úmida.Soa, ressoa o mar distante.Isto é um porto.Aqui eu te amo.
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,que correm pelo mar rumo a onde não chegam.
Já me creio esquecido como estas velha âncoras.São mais tristes os portos ao atracar da tarde.Cansa-se minha vida inutilmente faminta..Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.Mas a noite enche e começa a cantar-me.A lua faz girar sua arruela de sonho.
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.E como eu te amo, os pinheiros no vento, querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.
Pablo Neruda
Áspero amor, violeta coroada de espinhos,cipoal entre tantas paixões eriçado, lanãa das dores,corola da colera, por que caminhos e como te dirigiste a minha alma?Por que precipitaste teu fogo doloroso, de repente,entre as folhas frias do meu caminho? Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?que flor, que pedra, que fumaãa mostraram minha morada? O certo é que tremeu noite pavorosa, a aurora encheu todas as taãas com teu vinhoe o sol estabeleceu sua presenãa celeste,enquanto o cruel amor sem trégua me cercava, até que lacerando-me com espadas e espinhos abriu no coração um caminho queimante.
Pablo Neruda
De noite, amada, amarra teu coração ao meu e que eles no sonho derrotem as trevas como um duplo tambor combatendo no bosque contra o espesso muro das folhas molhadas. Noturna travessia, brasa negra do sonho. Interceptando o fio das uvas terrestres com pontualidade de um trem descabelado que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,à tenacidade que em teu peito bate.
Com as asas de um cisne submergido,para que as perguntas estreladas do céu responda nosso sonho com uma só chave,com uma só porta fechada pela sombra.
Pablo Neruda
Dois...Apenas dois. Dois seres... Dois objetos patéticos. Cursos paralelos Frente a frente... ...Sempre... ...A se olharem... Pensar talvez: “Paralelos que se encontram no infinito...”No entanto sós por enquanto.Eternamente dois apenas.
Pablo Neruda
O Vento na Ilha
O vento é um cavaloOuça como ele correPelo mar, pelo céu.Quer me levar: escutacomo recorre ao mundopara me levar para longe.
Me esconde em teus braçospor somente esta noite,enquanto a chuva rompecontra o mar e a terrasua boca inumerável.
Escuta como o ventome chama calopandopara me levar para longe.
Com tua frente a minha frente,com tua boca em minha boca,atados nossos corposao amor que nos queima,deixa que o vento passesem que possa me levar.
Deixa que o vento corracoroado de espuma,que me chame e me busquegalopando na sombra,entretanto eu, emergidodebaixo teus grandes olhos,por somente esta noite
descansarei, amor meu.
Pablo Neruda
Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho. Amor, dor, trabalho, devem dormir agora. Gira a noite sobre suas invisíves rodas e junto a mim és pura como ambâr dormido... Nenhuma mais, amor, dormira com meus sonhos... Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.Nenhuma viajará pela sombra comigo, só tu. sempre viva. sempre sol... sempre lua... Já tuas mãos abriram os punhos delicados e deixaram cair suaves sinais sem rumo... teus olhos se fecharam como
duas asas cinzas, enquanto eu sigo a água que levas e me leva.A noite... o mundo... o vento enovelam seu destino, e já não sou sem ti senão apenas teu sonho...
Pablo Neruda
Gosto quando te calas
Gosto quando te calas porque estás como ausente,e me ouves de longe, minha voz não te toca.Parece que os olhos tivessem de ti voadoe parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha almaemerge das coisas, cheia da minha alma.Borboleta de sonho, pareces com minha alma,e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncioclaro como uma lâmpada, simples como um anel.És como a noite, calada e constelada.Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.Distante e dolorosa como se tivesses morrido.Uma palavra então, um sorriso bastam.E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.
Pablo Neruda
Para meu coração basta teu peitopara tua liberdade bastam minhas asas.Desde minha boca chegará até o céuo que estava dormindo sobre tua alma.
E em ti a ilusão de cada dia.Chegas como o sereno às corolas.Escavas o horizonte com tua ausênciaEternamente em fuga como a onda.
Eu disse que cantavas no ventocomo os pinheiros e como os hastes.Como eles és alta e taciturna.e intristeces prontamente, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.Te povoa ecos e vozes nostálgicas.eu despertei e as vezes emigram e fogempássaros que dormiam em tua alma.
Pablo Neruda
Plena mulher, maçã carnal, lua quente, espesso aroma de algas, lodo e luz pisados, que obscura claridade se abre entre tuas colunas? que antiga noite o homem toca com seus sentidos?Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas, com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:amar é um combate de relâmpagos e dois corpospor um so mel derrotados.Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito, tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos, e o fogo genital transformado em delícia corre pelos tênues caminhos do sangue até precipitar-se como um cravo noturno, até ser e não ser senão na sombra de um raio.
Pablo Neruda
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,e tiritam, azuis, os astros, ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu a quis, e às vezes ela também me quis...
Em noites como esta eu a tive entre os meus braços. A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito.
Ela me quis, às vezes eu também a queria. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. Minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Como para aproximá-la meu olhar a procura.Meu coração a procura, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.Nós, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis.Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.
Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero.É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços,minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Pablo Neruda
Talvez
Talvez não ser,é ser sem que tu sejas,sem que vás cortandoo meio dia com umaflor azul,sem que caminhes mais tardepela névoa e pelos tijolos,sem essa luz que levas na mãoque, talvez, outros não verão dourada,que talvez ninguém soube que cresciacomo a origem vermelha da rosa,sem que sejas, enfim,sem que viesses brusca, incitanteconhecer a minha vida,rajada de roseira,trigo do vento,
E desde então, sou porque tu ésE desde então éssou e somos...E por amorSerei... Serás...Seremos...
Pablo Neruda
Vês estas mãos? Mediram a terra, separaram os minerais e os cereais, fizeram a paz e a guerra, derrubaram as distânciasde todos os mares e rios, e, no entanto, quando te percorrem a ti, pequena, grão de trigo, andorinha, não chegam para abarcar-te, esforçadas alcançam as palomas gêmeas que repousam ou voam no teu peito, percorrem as distâncias de tuas pernas, enrolam-se na luz de tua cintura. Para mim és tesouro mais intenso de imensidãoque o mar e seus racimos e és branca, és azul e extensa como a terra na vindima. Nesse território, de teus pés à tua fronte, andando, andando, andando, eu passarei a vida.
Pablo Neruda
Walking Around
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,do meu cabelo e até da minha sombra.Acontece que me canso de ser homem.
Todavia, seria deliciosoassustar um notário com um lírio cortadoou matar uma freira com um soco na orelha.Seria beloir pelas ruas com uma faca verdee aos gritos até morrer de frio.
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,com fúria e esquecimento,passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,e pátios onde há roupa pendurada num arame:cuecas, toalhas e camisas que choramlentas lágrimas sórdidas.
Pablo Neruda
É assim que te quero, amor,assim, amor, é que eu gosto de ti,tal como te vestese como arranjasos cabelos e comoa tua boca sorri,ágil como a águada fonte sobre as pedras puras,é assim que te quero, amada,Ao pão não peço que me ensine,mas antes que não me falteem cada dia que passa.Da luz nada sei, nem dondevem nem para onde vai,apenas quero que a luz alumie,e também não peço à noite explicações,espero-a e envolve-me,e assim tu pão e luze sombra és.Chegastes à minha vidacom o que trazias,feitade luz e pão e sombra, eu te esperava,e é assim que preciso de ti,assim que te amo,e os que amanhã quiserem ouviro que não lhes direi, que o leiam aquie retrocedam hoje porque é cedopara tais argumentos.Amanhã dar-lhes-emos apenasuma folha da árvore do nosso amor, uma folhaque há-de cair sobre a terracomo se a tivessem produzido os nosso lábios,como um beijo caídodas nossas alturas invencíveispara mostrar o fogo e a ternurade um amor verdadeiro.
Pablo Neruda
Tu eras também uma pequena folhaque tremia no meu peito.O vento da vida pôs-te ali.A princípio não te vi: não soubeque ias comigo,até que as tuas raízesatravessaram o meu peito,se uniram aos fios do meu sangue,falaram pela minha boca,floresceram comigo.
Pablo Neruda
Dois amantes felizes não têm fim nem morte,nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,são eternos como é a natureza.
Pablo Neruda
Não te quero senão porque te quero,e de querer-te a não te querer chego,e de esperar-te quando não te espero,passa o meu coração do frio ao fogo.Quero-te só porque a ti te quero,Odeio-te sem fim e odiando te rogo,e a medida do meu amor viajante,é não te ver e amar-te,como um cego.
Tal vez consumirá a luz de Janeiro,seu raio cruel meu coração inteiro,roubando-me a chave do sossego,nesta história só eu me morro,e morrerei de amor porque te quero,porque te quero amor,a sangue e fogo.
Pablo Neruda
Os teus pés
Quando não te posso contemplar Contemplo os teus pés.
Teus pés de osso arqueado, Teus pequenos pés duros,
Eu sei que te sustentam E que teu doce peso Sobre eles se ergue.
Tua cintura e teus seios, A duplicada purpura Dos teus mamilos, A caixa dos teus olhos Que há pouco levantaram voo, A larga boca de fruta, Tua rubra cabeleira, Pequena torre minha.
Mas se amo os teus pés É só porque andaram Sobre a terra e sobre O vento e sobre a água, Até me encontrarem.
João Cabral de Melo Neto





"...E não há melhor respostaque
o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há poucoem nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
(Morte e Vida Severina)João Cabral de Melo Neto nasceu na cidade de Recife - PE, no dia 09 de janeiro de 1920, na rua da Jaqueira (depois Leonardo Cavalcanti), segundo filho de Luiz Antônio Cabral de Melo e de Carmem Carneiro-Leão Cabral de Melo. Primo, pelo lado paterno, de Manuel Bandeira e, pelo lado materno, de Gilberto Freyre. Passa a infância em engenhos de açúcar. Primeiro no Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata, e depois nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, no município de Moreno.
Em 1930, com a mudança da família para Recife, inicia o curso primário no Colégio Marista. João Cabral era um amante do futebol, tendo sido campeão juvenil pelo Santa Cruz Futebol Clube em 1935.
Foi na Associação Comercial de Pernambuco, em 1937, que obteve seu primeiro emprego, tendo depois trabalhado no Departamento de Estatística do Estado. Já com 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do Café Lafayette, que se reúne em volta de Willy Lewin e do pintor Vicente do Rego Monteiro, que regressara de Paris por causa da guerra.
Em 1940 viaja com a família para o Rio de Janeiro, onde conhece Murilo Mendes. Esse o apresenta a Carlos Drummond de Andrade e ao círculo de intelectuais que se reunia no consultório de Jorge de Lima. No ano seguinte, participa do Congresso de Poesia do Recife, ocasião em que apresenta suas Considerações sobre o poeta dormindo.
1942 marca a publicação de seu primeiro livro, Pedra do Sono. Em novembro viaja, por terra, para o Rio de Janeiro. Convocado para servir à Força Expedicionária Brasileira (FEB), é dispensado por motivo de saúde. Mas permanece no Rio, sendo aprovado em concurso e nomeado Assistente de Seleção do DASP (Departamento de Administração do Serviço Público). Freqüenta, então, os intelectuais que se reuniam no Café Amarelinho e Café Vermelhinho, no Centro do Rio de Janeiro. Publica Os três mal-amados na Revista do Brasil.
O engenheiro é publicado em 1945, em edição custeada por Augusto Frederico Schmidt. Faz concurso para a carreira diplomática, para a qual é nomeado em dezembro. Começa a trabalhar em 1946, no Departamento Cultural do Itamaraty, depois no Departamento Político e, posteriormente, na comissão de Organismos Internacionais. Em fevereiro, casa-se com Stella Maria Barbosa de Oliveira, no Rio de Janeiro. Em dezembro, nasce seu primeiro filho, Rodrigo.
É removido, em 1947, para o Consulado Geral em Barcelona, como vice-cônsul. Adquire uma pequena tipografia artesanal, com a qual publica livros de poetas brasileiros e espanhóis. Nessa prensa manual imprime Psicologia da composição. Nos dois anos seguintes ganha dois filhos: Inês e Luiz, respectivamente. Residindo na Catalunha, escreve seu ensaio sobre Joan Miró, cujo estúdio freqüenta. Miró faz publicar o ensaio com texto em português, com suas primeiras gravuras em madeira.
Removido para o Consulado Geral em Londres, em 1950, publica O cão sem plumas. Dois anos depois retorna ao Brasil para responder por inquérito onde é acusado de subversão. Escreve o livro O rio, em 1953, com o qual recebe o Prêmio José de Anchieta do IV Centenário de São Paulo (em 1954). É colocado em disponibilidade pelo Itamaraty, sem rendimentos, enquanto responde ao inquérito, período em que trabalha como secretário de redação do Jornal A Vanguarda, dirigido por Joel Silveira. Arquivado o inquérito policial, a pedido do promotor público, vai para Pernambuco com a família. Lá, é recebido em sessão solene pela Câmara Municipal do Recife.
Em 1954 é convidado a participar do Congresso Internacional de Escritores, em São Paulo. Participa também do Congresso Brasileiro de Poesia, reunido na mesma época. A Editora Orfeu publica seus Poemas Reunidos. Reintegrado à carreira diplomática pelo Supremo Tribunal Federal, passa a trabalhar no Departamento Cultural do Itamaraty.
Duas alegrias em 1955: o nascimento de sua filha Isabel e o recebimento do Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. A Editora José Olympio publica, em 1956, Duas águas, volume que reúne seus livros anteriores e os inéditos: Morte e vida severina, Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina. Removido para Barcelona, como cônsul adjunto, vai com a missão de fazer pesquisas históricas no Arquivo das Índias de Sevilha, onde passa a residir.
Em 1958 é removido para o Consulado Geral em Marselha. Recebe o prêmio de melhor autor no Festival de Teatro do Estudante, realizado no Recife. Publica em Lisboa seu livro Quaderna, em 1960. É removido para Madri, como primeiro secretário da embaixada. Publica, em Madri, Dois parlamentos.
Em 1961 é nomeado chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa, e passa a residir em Brasília. Com o fim do governo Jânio Quadros, poucos meses depois, é removido outra vez para a embaixada em Madri. A Editora do Autor, de Rubem Braga e Fernando Sabino, publica Terceira feira, livro que reúne Quaderna, Dois parlamentos, ainda inéditos no Brasil, e um novo livro: Serial.
Com a mudança do consulado brasileiro de Cádiz para Sevilha, João Cabral muda-se para essa cidade, onde reside pela segunda vez. Continuando seu vai-e-vem pelo mundo, em 1964 é removido como conselheiro para a Delegação do Brasil junto às Nações Unidas, em Genebra. Nesse ano nasce seu quinto filho, João.
Como ministro conselheiro, em 1966, muda-se para Berna. O Teatro da Universidade Católica de São Paulo produz o auto Morte e Vida Severina, com música de Chico Buarque de Holanda, primeiro encenado em várias cidades brasileiras e depois no Festival de Nancy, no Théatre des Nations, em Paris e, posteriormente, em Lisboa, Coimbra e Porto. Em Nancy recebe o prêmio de Melhor Autor Vivo do Festival. Publica A educação pela pedra, que recebe os prêmios Jabuti; da União de Escritores de São Paulo; Luisa Cláudio de Souza, do Pen Club; e o prêmio do Instituto Nacional do Livro. É designado pelo Itamaraty para representar o Brasil na Bienal de Knock-le-Zontew, na Bélgica.
1967 marca sua volta a Barcelona, como cônsul geral. No ano seguinte é publicada a primeira edição de Poesias completas. É eleito, em 15 de agosto de 1968, para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Assis Chateaubriand. É recebido em sessão solene pela Assembléia Legislativa de Pernambuco como membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT).
Toma posse na Academia em 06 de maio de 1969, na cadeira número 6, sendo recebido por José Américo de Almeida. A Companhia Paulo Autran encena Morte e vida severina em diversas cidades do Brasil. É removido para a embaixada de Assunção, no Paraguai, como ministro conselheiro. Torna-se membro da Hispania Society of America e recebe a comenda da Ordem de Mérito Pernambucano.
Após três anos em Assunção, é nomeado embaixador em Dacar, no Senegal, cargo que exerce cumulativamente com o de embaixador da Mauritânia, no Mali e na Giné-Conakry.
Em 1974 é agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco. No ano seguinte publica Museu de Tudo, que recebe o Grande Prêmio de Crítica da Associação Paulista de Críticos de Arte. É agraciado com a Medalha de Humanidades do Nordeste.
Em 1976 é condecorado Grande Oficial da Ordem do Mérito do Senegal e, em 1979, como Grande Oficial da Ordem do Leão do Senegal. É nomeado embaixador em Quito, Equador e publica A escola das facas.
A convite do governador de Pernambuco, vai a Recife (em 1980) para fazer o discurso inaugural da Ordem do Mérito de Guararapes, sendo condecorado com a Grã-Cruz da Ordem. Ali é inaugurada uma exposição bibliográfica de sua obra, no Palácio do Governo de Pernambuco, organizada por Zila Mamede. Recebe a Comenda do Mérito Aeronáutico e a Grã-Cruz do Equador.
No ano seguinte vai para Honduras, como embaixador. Publica a antologia Poesia crítica.
Em 1982 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vai para a cidade do Porto, em Portugal, como cônsul geral. Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro do Estado do Rio de Janeiro. Publica Auto do frade, escrito em Tegucigalpa.
Ganha o Prêmio Moinho Recife, em 1984 e, no ano seguinte, publica os poemas de Agrestes. Nesse livro há uma sessão dedicada à morte ("A indesejada das gentes"). Em 1986 é agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Sua esposa, Stella Maria, falece no Rio de Janeiro. João Cabral reassume o Consulado Geral no Porto. Casa-se em segundas núpcias com a poeta Marly de Oliveira.
Em 1987 publica Crime na Calle Relator, poemas narrativos. Recebe o prêmio da União Brasileira de Escritores. É removido para o Rio de Janeiro.
Em Recife, no ano de 1988, lança sua antologia Poemas pernambucanos. Publica, também, o segundo volume de poesias completas: Museu de tudo e depois. Recebe o Prêmio da Bienal Nestlé de Literatura pelo conjunto da obra, e o Prêmio Lily de Carvalho da ABCL, Rio de Janeiro.
Aposenta-se como embaixador em 1990 e publica Sevilha andando. É eleito para a Academia Pernambucana de Letras, da qual havia recebido, anos antes, a medalha Carneiro Vilela. Recebe os seguintes prêmios: Criadores de Cultura da Prefeitura do Recife, Luis de Camões (concedido conjuntamente pelos governos de Portugal e do Brasil), em Lisboa. É condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário e do Trabalho. A Faculdade Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro publica Primeiros Poemas.
Outros prêmios: Pedro Nava (1991) pelo livro Sevilha andando; Casa das Américas, concedido pelo Estado de São Paulo (1992); e também nesse ano o Neustadt International Prize for Literature, da Universidade de Oklahoma. Viaja a Sevilha para representar o presidente da República nas comemorações do dia 7 de Setembro, que tiveram lugar na Exposição do IV Centenário da Descoberta da América. No Pavilhão do Brasil, foi distribuída sua antologia Poemas sevilhanos, em edição especial. No Rio de Janeiro, na Casa da Espanha, recebe do embaixador espanhol a Grã-Cruz da Ordem de Isabel, a Católica.
Em 1993 recebe o Prêmio Jabuti, instituído pela Câmara Brasileira do Livro.
João Cabral era atormentado por uma dor de cabeça que não o deixava de forma alguma. Ao saber, anos atrás, que sofria de uma doença degenerativa incurável, que faria sua visão desaparecer aos poucos, o poeta anunciou que ia parar de escrever. Já em 1990, com a finalidade de ajudá-lo a vencer os males físicos e a depressão, Marly, sua segunda esposa, passa a escrever alguns textos tidos como de autoria do biografado. Conforme declarações de amigos, escreveu o discurso de agradecimento feito pelo autor ao receber o Prêmio Luis de Camões, considerado o mais importante prêmio concedido a escritores da língua portuguesa, entre outros. Foi a forma encontrada para tentar tirá-lo do estado depressivo em que se encontrava. Como não admirava a música, o autor foi perdendo também a vontade de falar ("Não tenho muito o que dizer", argumentava). Era, sem dúvida, o nosso mais forte concorrente ao prêmio Nobel, com diversas indicações dos mais variados segmentos de nossa sociedade.
Transcrevemos abaixo o discurso proferido por Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, por ocasião da morte do poeta, em 09/10/99:
"Adeus a João Cabral"
"Severino retirante,deixe agora que lhe diga:eu não sei bem a respostada pergunta que fazia,se não vale mais saltarfora da ponte e da vida;nem conheço essa resposta,se quer mesmo que lhe diga;é difícil defender,só com palavras, a vida,ainda mais quando ela éesta que vê, Severina;mas se responder não pudeà pergunta que faziaela, a vida, a respondeucom sua presença viva."
Vida que foi para João Cabral uma bonita e ao mesmo tempo sofrida obra de engenharia poética, como demonstrou no seu inesquecível Morte e Vida Severina.
Aqui está o poeta João Cabral de Melo Neto, presente pela última vez na Academia Brasileira de Letras, de que foi, por 30 anos, uma das figuras fundamentais. Aos 79 anos, apaga-se a voz de significação universal, com a singularidade do seu verso, tantas vezes lembrado para a glória do Prêmio Nobel de Literatura.
A nossa dor, que é também a da sua companheira Marly de Oliveira e dos seus filhos e demais parentes, não apaga da nossa memória a convicção de que foi ele um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos - o poeta da razão - que jamais esqueceu, mesmo nos 40 anos de vida diplomática, as suas raízes pernambucanas. O homem que soube desenhar em versos cálidos a saga do retirante nordestino, quando ainda não havia passado dos 35 anos de idade.
João Cabral, o poeta João, que não se conformava em perfumar a flor, é o mesmo que escreveu aos 22 anos o livro Pedra do Sono, para depois nos brindar, entre outros, com O engenheiro, O cão sem plumas, Poesias completas, A educação pela pedra e o antológico Morte e Vida Severina, com versões no teatro e na mídia eletrônica.
Fecham-se os olhos cansados do poeta João e não conseguimos realizar o sonho que agora desvendo: ver o América Futebol Clube voltar aos seus dias de glória. Nem o daqui do Rio, nem aquele que era a sua verdadeira paixão: o América do Recife.
Quando preparava com ele a Cabraliana, que foi o seu primeiro audiolivro, ouvi fantásticas histórias da vida diplomática, especialmente dos tempos de Portugal, Espanha e Marrocos, além de nele reconhecer um orgulho especial pela família, parente que foi de grandes escritores brasileiros, como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Mauro Mota e Antônio de Moraes e Silva, o famoso Moraes do Dicionário de Língua Portuguesa. Parece que era herdeiro, no seu jeito tão humilde e cativante, de uma genética literária originalíssima.
É compreensível a nossa consternação. Enquanto a saúde permitiu, honrou esta casa com a sua assiduidade e o seu sentimento da mais pura cordialidade. Sofrendo agora com o seu silêncio, curvamo-nos diante do grande poeta, para afirmar que a Academia sempre o terá presente, com a saudade e a admiração de todos os seus confrades.
Descanse em paz, poeta João. A sua presença jamais deixará de estar conosco. Teremos o consolo da sua poesia imortal."
Jorge de Lima


Jorge Matheos de Lima nasceu em União dos Palmares – AL, em 1895. Diplomou-se em Medicidna no Rio de Janeiro, onde se radicou. Trabalhou como médico, como professor universitário e, na política, foi vereador. Também foi um bom pintor e fotógrafo, sendo que essa diversidade artística e profissional fez com que sua casa no Rio de Janeiro fosse local de reunião da intelectualidade da capital brasileira.
Principais Obras de Jorge de Lima
XIV Alexandrinos (1914)
O Mundo do Menino Impossível (1925)
Tempo e Eternidade (em colaboração com o poeta Murilo Mendes – 1935)
A Túnica Inconsútil (1938)
Invenção de Orfeu (1952)
Calunga (1935 – romance)
Jorge de Lima, junto com Cecília Meireles, Murilo Mendes, Guilherme de Almeida e o paranaense Tasso da Silveira, participou das idéias expressas pela revista Festa, de cunho eminentemente católico. Por isso, é óbvio que a religiosidade é um ingrediente temático na maioria dos poemas de Jorge de Lima, como este:
POEMA DO CRISTÃO(fragmento)
Porque o sangue de Cristo
Jorrou sobre os meus olhos,
A minha visão é universal
E tem dimensões que ninguém sabe.
Os milênios passados e os futuros
Não me aturdem, porque nasço e nascerei,
Porque sou uno com todas as criaturas
Com todos os seres, com todas as coisas
Que eu decomponho e absorvo com os sentidos
E compreendo com a inteligência
Transfigurada em Cristo.
Tenho os movimentos alargados.
Seou ubíquo: estou em Deus e na matéria;
Sou velhíssimo e apenas nasci ontem,
Estou molhado dos limos primitivos,
E ao mesmo tempo ressôo as trombetas finais,
Compreendo todas as línguas, todos os gestos, todos os signos,
Tenho glóbulos de sangue das raças mais opostas
Posso enxugar com um simples aceno
O choro de todos os irmãos distantes.
Posso estender sobre todass as cabeças um céu unânime e estrelado.
Chamo todos os mendigos para comer comigo,
E ando sobre as águas como os profetas bíblicos.
Não há escuridão pra mim.
Opero transfusões de luz nos seres opacos,
Posso mutilar-me e reproduzir meus membros, como as estrelas-do-mar,
Porque creio na ressurreição da carne e creio em Cristo.
E creio na vida eterna, amém!
Jorge de Lima teve uma fase poética de celebração à cultura negra. Em alguns poemas, inclusive, apropria-se de um linguajar afro-brasileiro para conferir maior verdade cultural ao texto.
No poema seguinte, de rara beleza, o virtuosismo do poeta joga com sons (aliterações, rimas, assonâncias), com redundâncias e expressa a situação da escrava moça (sem identidade – é somente negra) que trabalha na casa grande como cozinheira, arrumadeira, ama-de-leite, acompanhante e, está claro, amante.
ESSA NEGRA FULÔ
Ora, se deu que chegou(isso já faz muito tempo)no bangüê dum meu avôuma negra bonitinhachamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!(Era a fala da Sinhá)- Vai forrar a minha cama,Pentear os meus cabelos,Vem ajudar a tirarA minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ficou logo pra mucama,Pra vigiar a SinháPra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!(Era a fala da Sinhá)vem me ajudar, ó Fulôvem abanar o meu corpoque estou suada, Fulô!Vem coçar minha coceira,
Vem me catar cafuné,Vem balançar minha rede,Vem me contar uma história,Que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
“Era um dia uma princesaque vivia num casteloque possuía um vestidocom os peixinhos do mar.Entrou na perna dum patoSaiu na perna dum pintoO Rei – Sinhô me mandouQue vos contasse mais cinco”.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?Vai botar para dormirEsses meninos, Fulô!“Minha mãe me penteouminha madrasta me enterroupelos figos da figueiraque o Sabiá beliscou”.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Fulô? Ó Fulô?(Era a fala da Sinháchamando a negra Fulô)Cadê meu frasco de cheiroQue teu Sinhô me mandou?-Aha! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitarSozinho a negra Fulô.A negra tirou a saiaE tirou o cabeção,De dentro dele pulouNuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?Cadê; cadê teu SinhôQue nosso Senhor me mandou?Ah! Foi você quem roubou,Foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!

Jorge de Lima
Jorge de Lima
Sousândrade


Vida: Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Alcântara, Maranhão. De família abonada, viajou muito desde jovem, percorrendo inúmeros países europeus. Formou-se em Letras pela Sorbonne. Depois faz o curso de Engenharia. Em 1870, conheceu várias repúblicas latinoamericanas. A partir de 1871, fixou residência em Nova Iorque, onde mandou imprimir suas Obras poéticas. .... Em 1884, lançou a versão definitiva de seu O Guesa, obra radical e renovadora. Morreu abandonado e com fama de louco.
Obras: Obras poéticas e O Guesa
Considerado em sua época um escritor extravagante, Sousândrade acaba reabilitado pela vanguarda paulistana (os concretistas) como um caso de "antecipação genial" da livre expressão modernista.
Criador de uma linguagem dominada pela elipse, por orações reduzidas e fusões vocabulares, foge do discurso derramado dos românticos. Seu aspecto inovador inclui também o uso de latinismos (palavras latinas), helenismos (palavras gregas), arcaísmos (palavras fora de uso) e outras invenções pessoais: metáforas complexas e aliterações, onomatopéias e criações gráficas, etc. Trata-se de um poeta experimental, que surge como um corpo estranho dentro de sua época literária.
O sol ao pôr-do-sol (triste soslaio!)...o arroioEm pedras estendido, em seus soluçosDesmaia o céu d'estrelas arenosoE o lago anila seus lençóis d'espelho...Era a Ilha do Sol, sempre floridaFerrete-azul, o céu, brando o ar purezaE as vias-lácteas sendas odorantesAlvas, tão alvas!... Sonoros mares, a onda d'esmeraldaPelo areal rolando luminosa...As velas todas-chamas aclaram todo o ar.
O GUESA
Sua obra mais perturbadora é O Guesa, poema em treze cantos, dos quais quatro ficaram inacabados. A base do poema é a lenda indígena do Guesa Errante. O personagem Guesa é uma criança roubada aos pais pelo deus do Sol e educado no templo da divindade até os 10 anos, sendo sacrificado aos 15 anos, após longa peregrinação pela "estrada do Suna".
Na condição de poeta maldito, Sousândrade identifica seu destino pessoal com o do jovem índio. Porém, no plano histórico-social, o poeta vê no drama de Guesa o mesmo dos povos aborígenes da América, condenando as formas de opressão dos colonialistas e defendendo uma república utópica.
Cosmopolita, o escritor deixou quadros curiosos como a descrição do Inferno de Wall Street, onde vê o capitalismo como doença.
Observe-se, por outro lado, que os seus achados poéticos mais felizes coexistem com trechos ininteligíveis, retóricos e pretensiosos.



Vinicius de Moraes


"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher..."


O biógrafo de Vinicius, José Castello, autor do excelente livro "Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão - uma biografia" nos diz que o poeta foi um homem que viveu para se ultrapassar e para se desmentir. Para se entregar totalmente e fugir, depois, em definitivo. Para jogar, enfim, com as ilusões e com a credulidade, por saber que a vida nada mais é que uma forma encarnada de ficção. Foi, antes de tudo, um apaixonado — e a paixão, sabemos desde os gregos, é o terreno do indomável. Daí porque fazer sua biografia era obra ingrata.Dele disse Carlos Drummond de Andrade: "Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural". "Eu queria ter sido Vinicius de Moraes". Otto Lara Resende assim o definiu: "Manuel Bandeira viveu e morreu com as raízes enterradas no Recife. João Cabral continua ligado à cana-de-açúcar. Drummond nunca deixou de ser mineiro. Vinicius é um poeta em paz com a sua cidade, o Rio. É o único poeta carioca". Mas ele dizia nada mais ser que "um labirinto em busca de uma saída". O que torna Vinicius um grande poeta é a percepção do lado obscuro do homem. E a coragem de enfrentá-lo. Parte, desde o princípio, dos temas fundamentais: o mistério, a paixão e a morte. Quando deixa a poesia em segundo plano para se tornar show-man da MPB, para viver nove casamentos, para atravessar a vida viajando, Vinicius está exercendo, mais que nunca, o poder que Drummond descreve, sem conseguir dissimular sua imensa inveja: "Foi o único de nós que teve a vida de poeta".
Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes aos nove anos de idade parece que pressente o poeta: vai, com a irmã Lygia ao cartório na Rua São José, centro do Rio, e altera seu nome para Vinicius de Moraes. Nascido em 19-10-1913, na Rua Lopes Quintas, 114 — bairro da Gávea, na Cidade Maravilhosa, desde cedo demonstra seu pendor para a poesia. Criado por sua mãe, Lydia Cruz de Moraes, que, dentre outras qualidades, era exímia pianista, e ao lado do pai, Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, poeta bissexto, Vinicius cresce morando em diversos bairros do Rio, infância e juventude depois contadas em seus versos, que refletiam o pensamento da geração de 1940 em diante.Em 1916, a família muda-se para a rua Voluntários da Pátria, 129, no bairro de Botafogo, passando a residir com os avós paternos, Maria da Conceição de Mello Moraes e Anthero Pereira da Silva Moraes.No ano seguinte mudam-se para a rua da Passagem, 100, no mesmo bairro. Nasce seu irmão Helius. Com a irmão Lydia, passa a freqüentar a escola primária Afrânio Peixoto, à rua da Matriz.Em 1920, por disposição de seu avô materno, é batizado na maçonaria, cerimônia que lhe causaria grande impressão.Após três outras mudanças, em 1922 a família transfere-se para a Ilha do Governador, na praia de Cocotá, 109-A.Faz sua primeira comunhão na Matriz da rua Voluntários da Pátria, no ano seguinte.Em 1924, inicia o Curso Secundário no Colégio Santo Inácio, na rua São Clemente. Começa a cantar no coro do colégio nas missas de domingo, criando fortes laços de amizade com seus colegas Moacyr Veloso Cardoso de Oliveira e Renato Pompéia da Fonseca Guimarães, este sobrinho de Raul Pompéia. Participa, como ator, em peças infantis.Torna-se amigo dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajóz, em 1927, com os quais começa a compor. Com eles, e alguns colegas do colégio, forma um pequeno conjunto musical que atua em festinhas, em casas de famílias conhecidas.Compõe, no ano seguinte, com os irmãos Tapajóz, "Loura ou morena" e "Canção da noite", que têm grande sucesso. Nessa época, namora invariavelmente todas as amigas de sua irmã Laetitia. A família volta a morar na rua Lopes Quintas em 1929, ano em que Vinicius bacharela-se em Letras no Santo Inácio. No ano seguinte entra para a faculdade de Direito da rua do Catete, sem vocação especial. Defende tese sobre a vinda de d. João VI para o Brasil, para ingressar no "Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais" (CAJU), tornando-se amigo de Otávio de Faria, San Thiago Dantas, Thiers Martins Moreira, Antônio Galloti, Gilson Amado, Hélio Viana, Américo Jacobina Lacombe, Chermont de Miranda, Almir de Andrade e Plínio Doyle. Em 1931, entra para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR).Forma-se em Direito e termina o Curso de Oficial da Reserva, em 1933. Estimulado por Otávio de Faria, publica seu primeiro livro, O caminho para a distância, na Schimidt Editora.Forma e exegese, seu livro de poesias lançado em 1935, ganha o prêmio Felipe d'Oliveira.Em 1936, substitui Prudente de Moraes Neto como representante do Ministério da Educação junto à Censura Cinematográfica. Publica, em separata, o poema "Ariana, a mulher". Conhece o poeta Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, dos quais se torna amigo.Em 1938, é agraciado com a primeira bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford, para onde parte em agosto daquele ano. Trabalha como assistente do programa brasileiro da BBC. Conhece, então, na casa de Augusto Frederico Schmidt, o poeta e músico Jayme Ovalle, de quem se tornaria um dos maiores amigos. Instado por outro grande amigo, Otávio de Faria, a se tornar um poeta mais com os pés no chão, e não o "inquilino do sublime" como, então, o chamou, lança Novos Poemas. Seguindo esta mesma linha, são lançados, posteriormente, Cinco Elegias, em 1943, e Poemas, Sonetos e Baladas, escrito em 1946, que já começam a mostrar o poeta sensual e lírico, mas, como ele próprio disse, um "poeta do cotidiano".
No ano seguinte, casa-se por procuração com Beatriz Azevedo de Mello. No final desse ano, retorna ao Brasil devido à eclosão da II Grande Guerra. Parte da viagem é feita em companhia de Oswald de Andrade.
O ano de 1940 marca o nascimento de sua primeira filha, Suzana. Torna-se amigo de Mário de Andrade.Estréia como crítico de cinema e colaborador no Suplemento Literário do jornal "A Manhã", em companhia de Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Afonso Arinos de Melo Franco, sob a orientação de Múcio Leão e Cassiano Ricardo, em 1941.Em 1942, nasce seu filho Pedro. Favorável ao cinema silencioso, Vinicius inicia um debate sobre o assunto com Ribeiro Couto, que depois se estende à maioria dos escritores brasileiros mais em voga, e do qual participam Orson Welles e madame Falconetti. A convite do então prefeito de Belo Horizonte (MG), Juscelino Kubitschek, chefia uma caravana de escritores brasileiros àquela cidade, onde se liga por amizade a Hélio Pelegrino, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Juntamente com Rubem Braga e Moacyr Werneck de Castro, inicia a roda literária do Café Vermelhinho, no Rio de Janeiro, à qual se misturam a maioria dos jovens arquitetos e artistas plásticos da época, como Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy, Jorge Moreira, José Reis, Alfredo Ceschiatti, Santa Rosa, Pancetti, Augusto Rodrigues, Djanira e Bruno Giorgi, entre outros. Conheceu a escritora argentina Maria Rosa Oliveira e, através dela, Gabriela Mistral. Freqüenta as domingueiras na casa de Aníbal Machado. Ainda nesse ano, faz extensa viagem ao Nordeste do Brasil acompanhando o escritor americano Waldo Frank, a qual muda radicalmente sua visão política, tornando-se um antifacista convicto. Na estada em Recife, conhece o poeta João Cabral de Melo Neto, de quem se tornaria, depois, grande amigo.No ano seguinte, ingressa, por concurso, na carreira diplomática. Publica Cinco Elegias em edição mandada fazer por Manuel Bandeira, Aníbal Machado e Otávio de Faria.Dirige, em 1944, o Suplemento Literário de "O Jornal", onde lança, entre outros, Pedro Nava, Francisco de Sá Pires, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Marcelo Garcia e Lúcio Rangel, em colunas assinadas, e publica desenhos de artistas plásticos até então pouco conhecidos, como Athos Bulcão, Maria Helena Vieira da Silva, Alfredo Ceschiatti, Carlos Scliar, Eros (Martin) Gonçalves e Arpad Czenes.Em 1945, um grande susto: sofre grave desastre de avião na viagem inaugural do hidro "Leonel de Marnier", perto da cidade de Rocha, no Uruguai. Em sua companhia estão Aníbal Machado e Moacyr Werneck de Castro. Colabora com vários jornais e revistas, como articulista e crítico de cinema. Escreve crônicas diárias para o jornal "Diretrizes". Faz amizade com o poeta chileno Pablo Neruda.No ano de 1946, assume seu primeiro posto diplomático: vice-consul do Brasil em Los Angeles, Califórnia (USA). Ali permanece por quase cinco anos, sem retornar ao seu país. Publica, em edição de luxo, com ilustrações de Carlos Leão, seu livro, Poemas, sonetos e baladas.Vinicius, amante da sétima arte, inicia seus estudos de cinema com Orson Welles e Gregg Toland. Lança, com Alex Viany, a revista Film, em 1947.Em 1949, João Cabral de Melo Neto tira, em sua prensa manual, em Barcelona, uma edição de cinqüenta exemplares de seu poema Pátria Minha.Visita o poeta Pablo Neruda, no México, que se encontrava gravemente enfermo. Ali conhece o pinto Diogo Siqueiros e reencontra o pintos Di Cavalcanti. Morre seu pai. Volta ao Brasil, em 1950.No ano seguinte, casa-se, pela segunda vez, com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. A convite de Samuel Wainer, começa a colaborar no jornal "Última Hora", como cronista diário e posteriormente crítico de cinema. Em 1952, é nomeado delegado junto ao Festival de Punta del Este, fazendo paralelamente sua cobertura para "Última Hora". Terminado o evento, parte para a Europa, encarregado de estudar a organização dos festivais de cinema de Cannes, Berlim, Locarno e Veneza, no sentido da realização do Festival de Cinema de São Paulo, dentro das comemorações do IV Centenário da cidade. Em Paris, conhece seu tradutor francês, Jean Georges Rueff, com quem trabalha, em Estrasburgo, na tradução de suas Cinco Elegias. Sob encomenda do diretor Alberto Cavalcanti, com seus primos Humberto e José Francheschi, visita, fotografa e filma as cidades mineiras que compõem o roteiro do Aleijadinho, com vistas à realização de um filme sobre a vida do escultor.Em 1953, nasce sua filha Georgiana. Compõe seu primeiro samba, música e letra, "Quando tu passas por mim". Faz crônicas diárias para o jornal "A Vanguarda" e colabora no tablóide semanário "Flan", de "Última Hora". Parte para Paris como segundo secretário de Embaixada. Escreve Orfeu da Conceição, obra que seria premiada no Concurso de Teatro do IV Centenário da Cidade de São Paulo no ano seguinte, e que teve montagem teatral em 1956, com cenários de Oscar Niemeyer. Posteriormente transformada em filme (com o nome de Orfeu negro) pelo diretor francês Marcel Camus, em 1959, obteve grande sucesso internacional, tendo sido premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes e com o Oscar, em Hollywood, como o melhor filme estrangeiro do ano. Nesse filme acontece seu primeiro trabalho com Antônio Carlos Jobim (Tom Jobim).Sai da primeira edição de sua Antologia Poética. A revista "Anhembi" publica Orfeu da Conceição, em 1954.No ano seguinte, compõe, em Paris, uma série de canções de câmara com o maestro Cláudio Santoro. Começa a trabalhar para o produtor Sasha Gordine, no roteiro do filme Orfeu negro. Volta ao Brasil em curta estada, buscando obter financiamento para a realização do filme. Diante do insucesso da missão, retorna a Paris em fins de dezembro.Em 1956, retorna à pátria, no gozo de licença-prêmio. Nasce sua filha, Luciana. A convite de Jorge Amado, colabora no quinzenário "Para Todos", onde publica, na primeira edição, o poema O operário em construção. A peça Orfeu da Conceição é encenada no Teatro Municipal, que aparece também em edição comemorativa de luxo, ilustrada por Carlos Scliar. As músicas do espetáculo são de autoria de Antônio Carlos Jobim, dando início a uma parceria que, tempos depois, com a inclusão do cantor e violonista João Gilberto, daria início ao movimento de renovação da música popular brasileira que se convencionou chamar de bossa nova. Retorna ao posto, em Paris, no final do ano.Publica Livro de Sonetos, em edição de Livros de Portugal, em 1957. É transferido da Embaixada em Paris para a Delegação do Brasil junto à UNESCO. No final do ano é transferido para Montevidéu, regressando, em trânsito, ao Brasil.Em 1958, sofre um grave acidente de automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença. Parte para Montevidéu. Sai o LP "Canção do amor demais", de músicas suas com Antônio Carlos Jobim, cantadas por Elizete Cardoso. No disco ouve-se, pela primeira vez, a batida da bossa nova, no violão de João Gilberto, que acompanha a cantora em algumas faixas, entre as quais o samba "Chega de saudade", considerado o marco inicial do movimento.1959 marca o lançamento do LP "Por toda a minha vida", de canções suas com Jobim, pela cantora Lenita Bruno. Casa-se sua filha Susana.No ano seguinte, retorna à Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Em novembro, nasce seu neto Paulo. Sai a segunda edição de sua Antologia Poética, uma edição popular da peça Orfeu da Conceição e Recette de femme et autres poèmes, tradução de Jean-Georges Rueff.Começa a compor com Carlos Lyra e Pixinguinha. Aparece Orfeu negro, em tradução italiana de P. A. Jannini, em 1961.Dá início à composição de uma série de afro-sambas, em parceria com Baden Powell, entre os quais "Berimbau" e "Canto de Ossanha". Com Carlos Lyra, compõe as canções de sua comédia musicada Pobre menina rica. Em agosto desse ano, 1962, faz seu primeiro show, que obteve grande repercussão, ao lado de Jobim e João Gilberto, na boate "Au Bon Gourmet", iniciando a fase dos "pocket-shows", onde foram lançados grandes sucessos internacionais como "Garota de Ipanema" e "Samba da benção". Na mesma boate, faz apresentação com Carlos Lyra para apresentar "Pobre menina rica", ocasião em que é lançada a cantora Nara Leão. Compõe, com Ary Barroso, as últimas canções do grande mestre da MPB, como "Rancho das Namoradas". É lançado o livro Para viver um grande amor. Grava, como cantor, um disco com a atriz e cantora Odete Lara.Em 1963, inicia uma parceria que produziria grandes sucessos com Edu Lobo. Casa-se com Nelita Abreu Rocha e retorna a Paris, assumindo posto na Delegação do Brasil junto à UNESCO.No início da revolução de 1964, retorna ao Brasil e colabora com crônicas semanais para a revista "Fatos e Fotos", ao mesmo tempo em que assinava crônicas sobre música popular para o "Diário Carioca". Começa a compor com Francis Hime. Com Dorival Caymmi, participa de show muito sucesso na boate Zum-Zum, onde lança o Quarteto em Cy. Desse show é feito um LP.1965 marca o lançamento de Cordélia e o peregrino, em edição do Serviço de Documentação do Ministério de Educação e Cultura. Ganha o primeiro e segundo lugares do I Festival de Música Popular de São Paulo, da TV Record, em canções de parceria com Edu Lobo e Baden Powell. Parte para Paris e St. Maxime para escrever o roteiro do filme "Arrastão". Indispõem-se com o diretor e retira suas músicas do filme. Parte de Paris para Los Angeles a fim de encontrar-se com Jobim. Muda-se de Copacabana para o Jardim Botânico, à rua Diamantina, 20. Começa a trabalhar no roteiro do filme "Garota de Ipanema", dirigido por Leon Hirszman. Volta ao show com Caymmi, na boate Zum-Zum.No ano seguinte é lançado o livro Para uma menina com uma flor. São feitos documentários sobre o poeta pelas televisões americana, alemã, italiana e francesa. Seu "Samba da benção", em parceria com Baden Powell, é incluído, em versão do compositor e ator Pierre Barouh, no filme "Un homme... une femme", vencedor do Festival de Cannes do mesmo ano. Vinicius participa do juri desse festival.Em 1967, sai a sexta edição de sua Antologia Poética e a segunda de Livro de Sonetos (aumentada). Faz parte do júri do Festival de Música Jovem, na Bahia. Ocorre a estréia do filme "Garota de Ipanema". É colocado à disposição do governo de Minas Gerais no sentido de estudar a realização anual de um Festival de Arte em Ouro Preto.
Falece sua mãe, em 25 de fevereiro de 1968. Aparece a primeira edição de sua Obra Poética. Seus poemas são traduzidos para o italiano por Ungaretti.Em 1969, é exonerado do Itamaraty. Casa-se com Cristina Gurjão, com quem tem uma filha chamada Maria. No ano seguinte, casa-se com a atriz baiana Gesse Gessy. Inicia parceria com o violonista Toquinho.Em 1971, muda-se para Salvador, Bahia. Viaja pela Itália, numa espécie de auto-exílio. No ano seguinte, com Toquinho, lança naquele país o LP "Per vivere un grande amore". A Pablo Neruda é lançado em 1973. Trabalha, no ano seguinte, no roteiro, não concretizado, do filme "Polichinelo". Participa de show com Toquinho e a cantora Maria Creuza, no Rio. Confirmando os boatos de que o governo o perseguia, excursiona pela Europa e grava dois discos na Itália com Toquinho, em 1975.Em 1976, novo casamento, agora com Marta Rodrigues Santamaria. Escreve as letras de "Deus lhe pague", em parceria com Edu Lobo.Participa de show na casa de espetáculos "Canecão", no Rio, com Tom Jobim, Toquinho e Miúcha. Grava um LP em Paris, com Toquinho, em 1977.No ano seguinte, excursiona com Toquinho pela Europa. Casa-se com Gilda de Queirós Matoso. Em 1979, participa de leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), a convite do líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Voltando de viagem à Europa, sofre um derrame cerebral no avião. Perdem-se, na ocasião, os originais de Roteiro lírico e sentimental da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. No dia 17 de abril de 1980, é operado para a instalação de um dreno cerebral. Morre, na manhã de 09 de julho, de edema pulmonar, em sua casa na Gávea, em companhia de Toquinho e de sua última mulher. Extraviam-se os originais de seu livro O deve e o haver.Lançado postumamente, no Livro de Letras, publicado em 1991, estão mais de 300 letras de músicas de autoria de Vinícius, com melodias suas e de um sem número de compositores, ou parceirinhos, como carinhosamente os chamava. Em 1992, é lançado um livro que hibernou anos junto ao poeta: Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amor o Poeta Vinicius de Moraes.No ano seguinte, uma coletânea de poesias é publicada no livro As Coisas do Alto - Poemas de Formação, mostrando a processo de formação do poeta, que é uma descida do topo metafísico à solidez do cotidiano.Em 1996, é lançado livro de bolso com o título Soneto de Fidelidade e outros poemas, a preços populares. Essa publicação fica diversas semanas na lista dos mais vendidos, o que vem mostrar que mesmo após 16 anos de seu desaparecimento, sua poesia continuava viva entre nós.Em 2001, a industria de perfumes Avon lança a "Coleção Mulher e Poesia - por Vinicius de Moraes", com as fragrâncias "Onde anda você", "Coisa mais linda", "Morena flor" e "Soneto de fidelidade".Inconstante no amor (seus biógrafos dizem que teve, oficialmente, 09 mulheres), um dia foi questionado pelo parceiro Tom Jobim: "Afinal, poetinha, quantas vezes você vai se casar?".Num improviso de sabedoria, Vinicius respondeu: "Quantas forem necessárias."No dia 08/09/2006, é homenageado pelo governo brasileiro com sua reintegração post mortem aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, ocasião em que foi inaugurado o "Espaço Vinicius de Moraes" no Palácio do Itamaraty - Rio de Janeiro (RJ).
BIBLIOGRAFIA
Do Autor:
Poesia/Prosa:
- O Caminho para a Distância, 1933 - Schmidt Ed, Rio (recolhida pelo autor)- Ariana, a Mulher, 1936 - Pongetti - Rio- Forma e Exegese, 1935 - Pongetti - Rio (Prêmio Felippe d'Oliveira)- Novos Poemas, 1938 - José Olympio - Rio- Cinco Elegias, 1943 - Pongetti - Rio (ed.feita a pedido de Manuel Bandeira, Aníbal Machado e Octávio de Farias)- 10 poemas em manuscrito - 1945, Condé (edição ilustrada de 150 exemplares)- Poemas, Sonetos e Baladas, 1946 - Ed. Gávea - São Paulo (ilustrações de Carlos Leão)- Pátria Minha, 1949 - O Livro Inconsútil - Barcelona (ed.feita por João Cabral de Melo Neto em sua prensa manual)- Orfeu da Conceição, 1956 - Editora do Autor - Rio (ilustrações de Carlos Scliar)- Livro de Sonetos, 1957 - Livros de Portugal - Rio- Novos Poemas (II), 1959 - Livraria São José - Rio.- Orfeu da Conceição, 1960 - Livraria São José - Rio (edição popular)- Para Viver um Grande Amor, 1962 - Ed. do Autor - Rio- Cordélia e o Peregrino, 1965 - Ed.do Serviço de Documentação do M. da Educação e Cultura - Brasília- Para uma Menina com uma Flor, 1966 - Ed. do Autor - Rio- Orfeu da Conceição, 1967 - Editora Dois Amigos - Rio (com ilustrações de Carlos Scliar)- O Mergulhador, 1968 - Atelier de Arte - Rio (fotos de Pedro de Moraes, filho do autor. Tiragem limitada a 2.000 exemplares, sendo 50 numerados em algarismos romanos de I a L e assinados pelos autores, comportando um manuscrito original e inédito de Vinícius de Moraes;450 exemplares numerados em algarismos arábicos e 51 a 500 e assinados pelos autores; e,finalmente, 1.500 exemplares numerados de 501 a 2.000)- História natural de Pablo Neruda, 1974 - Ed.Macunaíma - Salvador.- O falso mendigo, poemas de Vinicius de Moraes - 1978, Ed. Fontana - Rio- Vinicius de Moraes - Poemas de muito amor, 1982 - José Olympio, Rio (ilustrações de Carlos Leão)- A arca de Noé - 1991, Cia. das Letras - São Paulo- Livro de Letras, 1991, Cia. das Letras - São Paulo- Roteiro lírico e sentimental da Cidade do Rio de Janeiro e outros lugares por onde passou e se encantou o poeta, 1992 - Cia. das Letras - São Paulo- As Coisas do Alto - Poemas de Formação, 1993 - Cia. das Letras - São Paulo - Jardim Noturno - Poemas Inéditos, 1993 - Cia. das Letras - São Paulo- Soneto de Fidelidade e outros Poemas, 1996 - Ediouro - Rio (ed. bolso)- Procura-se uma Rosa, Massao Ohno Ed. - São Paulo (peça de teatro em colaboração com Pedro Bloch e Gláucio Gil)- A Arca de Noé, Cia. das Letras - São Paulo- O Cinema de Meus Olhos, Cia. das Letras - São Paulo- Nossa Senhora de Paris, Ediouro - Rio- Teatro em Versos - 1995, Cia. das Letras - São Paulo- Rio de Janeiro (com Ferreira Gullar), Ed. Record - Rio (edições em alemão, francês, inglês, italiano e português).- Querido Poeta - Correspondências de Vinicius de Moraes (organização de Ruy Castro), Cia. das Letras, São Paulo, 2003.
Francês:
- Cinc Elégies, 1953 - Ed. Seghers - Paris (trad. de Jean-Georges Rueff)- Recette de Femme et autres poèmes, 1960 - Ed. Seghers - Paris (escolha e tradução de Jean-Georges Rueff)
Italiano:- Orfeo Negro, 1961 - Nuova Academia Editrice - Milão (tradução de P. A. Jannini)
Antologias:
- Antologia Poética, 1954 - Editora A Noite - Rio de Janeiro- Obra poética - Poesia Completa e Prosa, Editora Nova Aguillar, 1968
Teatro- Procura-se uma rosa, 1962 (com Pedro Bloch e Gláucio Gil.)
Sobre o Autor:
- O Poeta da Paixão, José Castello, 1994 - Cia. das Letras - São Paulo- Vinícius de Moraes - Uma Geografia Poética, José Castello, 1996 - Ed. Relume Dumará - Rio (coleção Perfis do Rio)- Vinícius de Moraes, Pedro Lyra, Editora Agir
Discos de poesias:
- Vinicius em Portugal, 1969, Fiesta, IG 79.034 - Rio- Antologia Poética, 1977, Philips, 6641 708, Série de Luxo - 2 Long-Plays (com participação de Tom Jobim, Edu Lobo, Toquinho, Luis Roberto, Jorginho, Roberto Menescal e Francis Hime)
Homenagens:
- Ciclo Vinícius de Moraes - Meu Tempo é Quando, 05 de janeiro a 23 de fevereiro de 1990, Centro Cultural do Banco do Brasil - Rio de Janeiro





















Fernando Pessoa


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamosQue a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.(Enlaçemos as mãos). Depois pensemos, crianças adultas, que a vidaPassa e não fica, nada deixa e nunca regressa,Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.Mais vale saber passar silenciosamente.E sem desassossegos grandes.
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,E antes magnólias amoQue a glória e a virtude. Logo que a vida me não canse, deixoQue a vida por mim passeLogo que eu fique o mesmo. Que importa àquele a quem já nada importaQue um perca e outro vença,Se a aurora raia sempre, Se cada ano com a PrimaveraAs folhas aparecemE com o Outono cessam?E o resto, as outras coisas que os humanosAcrescentam à vida,Que me aumentam na alma? Nada, salvo o desejo de indiferençaE a confiança moleNa hora fugitiva.
Quer pouco, terás tudo.Quer nada: serás livre.O mesmo amor que tenhamPor nós, quer-nos, oprime-nos.
Nunca a alheia vontade, inda que grata,Cumpras por própria. Manda no que fazes,Nem de ti mesmo servo.Niguém te dá quem és. Nada te mude.Teu íntimo destino involuntárioCumpre alto. Sê teu filho.
Sim, sei bemQue nunca serei alguém.Sei de sobraQue nunca terei uma obra.Sei, enfim,Que nunca saberei de mim.Sim, mas agora,Enquanto dura esta hora,Este luar, estes ramos,Esta paz em que estamos,Deixem-me crerO que nunca poderei ser.
Para ser grande, sê inteiro: nadaTeu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa. Põe quanto ésNo mínimo que fazes.Assim em cada lago a lua todaBrilha, porque alta vive.
Não tenho ambições nem desejos.ser poeta não é uma ambição minha.É a minha maneira de estar sózinho. ...Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luzE corre um silêncio pela erva fora....Porque quem ama nunca sabe o que amaNem sabe porque ama, nem sabe o que é amar......Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,Porque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura... ...A mim ensinou-me tudo.Ensinou-me a olhar para as coisas.Aponta-me todas as coisas que há nas flores.Mostra-me como as pedras são engraçadasQuando a gente as tem na mãoE olha devagar para elas.
Acordo de noite subitamente.E o meu relógio ocupa a noite toda.Não sinto a Natureza lá fora,O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas.Lá fora há um sossego como se nada existisse.Só o relógio prossegue o seu ruído.E esta pequena coisa de engrenagens que está em cima da minha mesaAbafa toda a existência da terra e do céu...Quase que me perco a pensar o que isto significa,Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,Porque a única coisa que o meu relógio simboliza ou significaÉ a curiosa sensação de encher a noite enormeCom a sua pequenez...
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadáver adiado que procria?
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. ...Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.
Triste de quem vive em casa,Contente com o seu lar,Sem que um sonho, no erguer de asa,Faça até mais rubra a brasaDa lareira a abandonar!Triste de quem é feliz!Vive porque a vida dura.Nada na alma lhe dizMais que a lição da raiz-Ter por vida a sepultura. ...Grécia, Roma, Cristandade,Europa - os quatro se vãoPara onde vai toda idade.Quem vem viver a verdadeQue morreu D. Sebastião?
Sou um evadido.Logo que nasciFecharam-me em mim,Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansaDo mesmo lugar,Do mesmo serPor que não se cansar? Minha alma procura-meMas eu ando a monte,Oxalá que elaNunca me encontre. Ser um é cadeia,Ser eu é não ser.Viverei fugindoMas vivo a valer.
Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!... Mesmo viver sabe a custar tanto quando se dá por isso... Falai, portanto, sem repardes que existis... ...Quem pudesse gritar para despertarmos! Estou a ouvir-me gritar dentro de mim, mas já não sei o caminho da minha vontade para a minha garganta.
O mistério do mundo,O íntimo, horroroso, desolado,Verdadeiro mistério da existência,Consiste em haver esse mistério. ...Não é a dor de já não poder crerQue m’oprime, nem a de não saber,Mas apenas completamente o horrorDe ter visto o mistério frente a frente,De tê-lo visto e compreendido em todaA sua infinidade de mistério. ...Quanto mais fundamente penso, maisProfundamente me descompreendo.O saber é a inconsciência de ignorar... Só a inocência e a ignorância sãoFelizes, mas não o sabem. São-no ou não?Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,Um lugar, nada mais. ...Quanto mais claroVejo em mim, mais escuro é o que vejo.Quanto mais compreendoMenos me sinto compreendido. Ó horrorparadoxal deste pensar... ...Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas,Como me amarga n’alma essa alegria!
Põe a tua mãoSobre o meu cabelo...Tudo é ilusão.Sonhar é sabê-lo.
Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconsciência,E a consciência disso! Ó céu!Ó campo! Ó canção! A ciência Pesa tanto e a vida é tão breve!Entrai por mim dentro! TornaiMinha alma a vossa sombra leve!Depois, levando-me, passai!
Tudo o que faço ou meditoFica sempre na metade.Querendo, quero o infinito.Fazendo, nada é verdade. Que nojo de mim me ficaAo olhar para o que faço!Minha alma é lúcida e rica,E eu sou um mar de sargaço.
Temos, todos que vivemos,Uma vida que é vividaE outra vida que é pensada,E a única vida que temosÉ essa que é divididaEntre a verdadeira e a errada.
Foi um momentoO em que pousasteSobre o meu braçoNum movimentoMais de cansaçoQue pensamento,A tua mãoE a retiraste.Senti ou não? ...O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.
Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura.O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quanto há bruma,Esperar por D. Sebastião,Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças,Flores, música, o luar, e o sol, que pecaSó quando, em vez de criar, seca. O mais que istoÉ Jesus Cristo,Que não sabia nada de finançasNem consta que tivesse biblioteca...
Bom é que não esqueçaisQue o que dá ao amor rara qualidadeÉ a sua timidez envergonhadaEntregai-vos ao travo doce das deliciasQue filhas são dos seus tormentosPorém, não busqueis poder no amorQue só quem da sua lei se sente escravoPode considerar-se realmente livre
Bendito seja eu por tudo o que não seigozo tudo isso como quem sabe que há o sol
Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é delee não se cura de fora.Porque sofrer não é ter falta de tintaou o caixote não ter aros de ferro!
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.