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22.4.08

Fernando Pessoa


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamosQue a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.(Enlaçemos as mãos). Depois pensemos, crianças adultas, que a vidaPassa e não fica, nada deixa e nunca regressa,Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,Mais longe que os deuses.Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.Mais vale saber passar silenciosamente.E sem desassossegos grandes.
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,E antes magnólias amoQue a glória e a virtude. Logo que a vida me não canse, deixoQue a vida por mim passeLogo que eu fique o mesmo. Que importa àquele a quem já nada importaQue um perca e outro vença,Se a aurora raia sempre, Se cada ano com a PrimaveraAs folhas aparecemE com o Outono cessam?E o resto, as outras coisas que os humanosAcrescentam à vida,Que me aumentam na alma? Nada, salvo o desejo de indiferençaE a confiança moleNa hora fugitiva.
Quer pouco, terás tudo.Quer nada: serás livre.O mesmo amor que tenhamPor nós, quer-nos, oprime-nos.
Nunca a alheia vontade, inda que grata,Cumpras por própria. Manda no que fazes,Nem de ti mesmo servo.Niguém te dá quem és. Nada te mude.Teu íntimo destino involuntárioCumpre alto. Sê teu filho.
Sim, sei bemQue nunca serei alguém.Sei de sobraQue nunca terei uma obra.Sei, enfim,Que nunca saberei de mim.Sim, mas agora,Enquanto dura esta hora,Este luar, estes ramos,Esta paz em que estamos,Deixem-me crerO que nunca poderei ser.
Para ser grande, sê inteiro: nadaTeu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa. Põe quanto ésNo mínimo que fazes.Assim em cada lago a lua todaBrilha, porque alta vive.
Não tenho ambições nem desejos.ser poeta não é uma ambição minha.É a minha maneira de estar sózinho. ...Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luzE corre um silêncio pela erva fora....Porque quem ama nunca sabe o que amaNem sabe porque ama, nem sabe o que é amar......Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,Porque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura... ...A mim ensinou-me tudo.Ensinou-me a olhar para as coisas.Aponta-me todas as coisas que há nas flores.Mostra-me como as pedras são engraçadasQuando a gente as tem na mãoE olha devagar para elas.
Acordo de noite subitamente.E o meu relógio ocupa a noite toda.Não sinto a Natureza lá fora,O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas.Lá fora há um sossego como se nada existisse.Só o relógio prossegue o seu ruído.E esta pequena coisa de engrenagens que está em cima da minha mesaAbafa toda a existência da terra e do céu...Quase que me perco a pensar o que isto significa,Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,Porque a única coisa que o meu relógio simboliza ou significaÉ a curiosa sensação de encher a noite enormeCom a sua pequenez...
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadáver adiado que procria?
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. ...Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.
Triste de quem vive em casa,Contente com o seu lar,Sem que um sonho, no erguer de asa,Faça até mais rubra a brasaDa lareira a abandonar!Triste de quem é feliz!Vive porque a vida dura.Nada na alma lhe dizMais que a lição da raiz-Ter por vida a sepultura. ...Grécia, Roma, Cristandade,Europa - os quatro se vãoPara onde vai toda idade.Quem vem viver a verdadeQue morreu D. Sebastião?
Sou um evadido.Logo que nasciFecharam-me em mim,Ah, mas eu fugi. Se a gente se cansaDo mesmo lugar,Do mesmo serPor que não se cansar? Minha alma procura-meMas eu ando a monte,Oxalá que elaNunca me encontre. Ser um é cadeia,Ser eu é não ser.Viverei fugindoMas vivo a valer.
Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!... Mesmo viver sabe a custar tanto quando se dá por isso... Falai, portanto, sem repardes que existis... ...Quem pudesse gritar para despertarmos! Estou a ouvir-me gritar dentro de mim, mas já não sei o caminho da minha vontade para a minha garganta.
O mistério do mundo,O íntimo, horroroso, desolado,Verdadeiro mistério da existência,Consiste em haver esse mistério. ...Não é a dor de já não poder crerQue m’oprime, nem a de não saber,Mas apenas completamente o horrorDe ter visto o mistério frente a frente,De tê-lo visto e compreendido em todaA sua infinidade de mistério. ...Quanto mais fundamente penso, maisProfundamente me descompreendo.O saber é a inconsciência de ignorar... Só a inocência e a ignorância sãoFelizes, mas não o sabem. São-no ou não?Que é ser sem o saber? Ser, como a pedra,Um lugar, nada mais. ...Quanto mais claroVejo em mim, mais escuro é o que vejo.Quanto mais compreendoMenos me sinto compreendido. Ó horrorparadoxal deste pensar... ...Alegres camponesas, raparigas alegres e ditosas,Como me amarga n’alma essa alegria!
Põe a tua mãoSobre o meu cabelo...Tudo é ilusão.Sonhar é sabê-lo.
Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconsciência,E a consciência disso! Ó céu!Ó campo! Ó canção! A ciência Pesa tanto e a vida é tão breve!Entrai por mim dentro! TornaiMinha alma a vossa sombra leve!Depois, levando-me, passai!
Tudo o que faço ou meditoFica sempre na metade.Querendo, quero o infinito.Fazendo, nada é verdade. Que nojo de mim me ficaAo olhar para o que faço!Minha alma é lúcida e rica,E eu sou um mar de sargaço.
Temos, todos que vivemos,Uma vida que é vividaE outra vida que é pensada,E a única vida que temosÉ essa que é divididaEntre a verdadeira e a errada.
Foi um momentoO em que pousasteSobre o meu braçoNum movimentoMais de cansaçoQue pensamento,A tua mãoE a retiraste.Senti ou não? ...O poeta é um fingidor.Finge tão completamenteQue chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.
Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura.O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quanto há bruma,Esperar por D. Sebastião,Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças,Flores, música, o luar, e o sol, que pecaSó quando, em vez de criar, seca. O mais que istoÉ Jesus Cristo,Que não sabia nada de finançasNem consta que tivesse biblioteca...
Bom é que não esqueçaisQue o que dá ao amor rara qualidadeÉ a sua timidez envergonhadaEntregai-vos ao travo doce das deliciasQue filhas são dos seus tormentosPorém, não busqueis poder no amorQue só quem da sua lei se sente escravoPode considerar-se realmente livre
Bendito seja eu por tudo o que não seigozo tudo isso como quem sabe que há o sol
Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é delee não se cura de fora.Porque sofrer não é ter falta de tintaou o caixote não ter aros de ferro!
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

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