Jorge de Lima
Jorge Matheos de Lima nasceu em União dos Palmares – AL, em 1895. Diplomou-se em Medicidna no Rio de Janeiro, onde se radicou. Trabalhou como médico, como professor universitário e, na política, foi vereador. Também foi um bom pintor e fotógrafo, sendo que essa diversidade artística e profissional fez com que sua casa no Rio de Janeiro fosse local de reunião da intelectualidade da capital brasileira.
Principais Obras de Jorge de Lima
XIV Alexandrinos (1914)
O Mundo do Menino Impossível (1925)
Tempo e Eternidade (em colaboração com o poeta Murilo Mendes – 1935)
A Túnica Inconsútil (1938)
Invenção de Orfeu (1952)
Calunga (1935 – romance)
Jorge de Lima, junto com Cecília Meireles, Murilo Mendes, Guilherme de Almeida e o paranaense Tasso da Silveira, participou das idéias expressas pela revista Festa, de cunho eminentemente católico. Por isso, é óbvio que a religiosidade é um ingrediente temático na maioria dos poemas de Jorge de Lima, como este:
POEMA DO CRISTÃO(fragmento)
Porque o sangue de Cristo
Jorrou sobre os meus olhos,
A minha visão é universal
E tem dimensões que ninguém sabe.
Os milênios passados e os futuros
Não me aturdem, porque nasço e nascerei,
Porque sou uno com todas as criaturas
Com todos os seres, com todas as coisas
Que eu decomponho e absorvo com os sentidos
E compreendo com a inteligência
Transfigurada em Cristo.
Tenho os movimentos alargados.
Seou ubíquo: estou em Deus e na matéria;
Sou velhíssimo e apenas nasci ontem,
Estou molhado dos limos primitivos,
E ao mesmo tempo ressôo as trombetas finais,
Compreendo todas as línguas, todos os gestos, todos os signos,
Tenho glóbulos de sangue das raças mais opostas
Posso enxugar com um simples aceno
O choro de todos os irmãos distantes.
Posso estender sobre todass as cabeças um céu unânime e estrelado.
Chamo todos os mendigos para comer comigo,
E ando sobre as águas como os profetas bíblicos.
Não há escuridão pra mim.
Opero transfusões de luz nos seres opacos,
Posso mutilar-me e reproduzir meus membros, como as estrelas-do-mar,
Porque creio na ressurreição da carne e creio em Cristo.
E creio na vida eterna, amém!
Jorge de Lima teve uma fase poética de celebração à cultura negra. Em alguns poemas, inclusive, apropria-se de um linguajar afro-brasileiro para conferir maior verdade cultural ao texto.
No poema seguinte, de rara beleza, o virtuosismo do poeta joga com sons (aliterações, rimas, assonâncias), com redundâncias e expressa a situação da escrava moça (sem identidade – é somente negra) que trabalha na casa grande como cozinheira, arrumadeira, ama-de-leite, acompanhante e, está claro, amante.
ESSA NEGRA FULÔ
Ora, se deu que chegou(isso já faz muito tempo)no bangüê dum meu avôuma negra bonitinhachamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!(Era a fala da Sinhá)- Vai forrar a minha cama,Pentear os meus cabelos,Vem ajudar a tirarA minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ficou logo pra mucama,Pra vigiar a SinháPra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!(Era a fala da Sinhá)vem me ajudar, ó Fulôvem abanar o meu corpoque estou suada, Fulô!Vem coçar minha coceira,
Vem me catar cafuné,Vem balançar minha rede,Vem me contar uma história,Que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
“Era um dia uma princesaque vivia num casteloque possuía um vestidocom os peixinhos do mar.Entrou na perna dum patoSaiu na perna dum pintoO Rei – Sinhô me mandouQue vos contasse mais cinco”.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?Vai botar para dormirEsses meninos, Fulô!“Minha mãe me penteouminha madrasta me enterroupelos figos da figueiraque o Sabiá beliscou”.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Fulô? Ó Fulô?(Era a fala da Sinháchamando a negra Fulô)Cadê meu frasco de cheiroQue teu Sinhô me mandou?-Aha! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitarSozinho a negra Fulô.A negra tirou a saiaE tirou o cabeção,De dentro dele pulouNuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!
Ó Fulô? Ó Fulô?Cadê; cadê teu SinhôQue nosso Senhor me mandou?Ah! Foi você quem roubou,Foi você, negra Fulô?
Essa negra Fulô!
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